25 janeiro 2010

Verde Que Te Quero Rosa - Cartola [1977] Rabiscado em Sintonia!

Ouvir Cartola e escrever um texto são coisas que podem ser feitas num instante. Mas em qual deles? Não se acha acústica perfeita para o disco em qualquer rotina. Tampouco o estado de espírito que compromete o destino das linhas de um texto. Sobretudo a qualidade da audiofilia lúdica, no sentido de sentir e não saltar, compromete não só o ouvido,  mas também lembranças, além do timbre tão realístico que quase mágico da vitrola.

O Vitró pede desculpas pelo atraso da resenha, mas convida o leitor a um passeio romântico entre lirismo e a cadência do samba. Verde Que Te Quero Rosa é o terceiro álbum de Cartola, lançado em 1977. Para ouvir o lado A, bastar dar play:

Deve ser por causa da capa. Disse o vendedor pra freguês que chorou o fato deste ser o disco do Cartola que costumam cobrar mais caro. E de fato esta é uma das artes que no formato do LP são realmente admiráveis. Dava pra ver nos olhos do comprador que ele estava feliz em vislumbrar o perfeito acabamento daquele disco. Fui embora antes do final da compra, mas torci para que aquele disco fizesse barulho naquela noite.

Porque se você já deu play no Lado A, percebeu Cartola grita. Merece ser tocado pela agulha, seja pela percussão autêntica do samba, ou por vezes com pianos majestosos, além da própria voz daquele que um dia duvidou poder ganhar a vida com música. Mal sabia ele que seria pauta, seria eterno. Viveu com tanta simplicidade que a biografia chega a ser peculiar no universo onde tudo que há é de fato simples. Porém o mais dispare dos acontecimentos é o que ressoa por vezes em solo ou coro, no verso ou refrão que percorrem o conteúdo lírico de  Angenor de Oliveira.

Eu acho que não, deve ser pela faixa 1. Eu voltei lá na loja e disse pro vendedor, lembrando que a faixa título será para sempre um achado musical mundial e ainda é a primeira faixa do disco, o que no LP parece ter ainda maior impacto. Ele me lembrou que Tempos de Idas, a música que finaliza o lado A, uma parceria de Cartola com Carlos Cachaça, diz exatamente sobre isso: "já não pertence mais a praça, já não é samba de terreiro. Vitorioso, ele partiu para o estrangeiro".

Ele havia vendido o disco. Talvez uma boa venda, mas certamente uma boa compra. Não gastei mais do que 50 reais para ter os dois primeiros, lançados em 74 e 76, com Cartola já aos 65 anos. E o terceiro, este que agora termina de um lado para reviver do outro. Dá play:

Cada disco vale pelos clássicos, claro. E o lado B agrega valor inestimável a esta obra. O Sintonia desta semana é do Cartola, os instantes literários também. Pranto de Poeta é um poema, formoso na voz de Nelson Cavaquinho, assinando em parceria com Guilherme de Brito. Mas Grande Deus, a terceira, é só de Cartola. Ninguém diria ser dele, nem Deus. Cartola foi em 2006 tema de um filme homônimo, documentário sobre sua vida.

Num olhar, qualquer um descobre o que quero dizer. Fita Meus Olhos é mais um clássico, lindo e emocionante. E daí pro fim é só deleite, todas as obras assinadas pelo mestre mangueirense. Cartola é daqui de perto, basta dobrar duas vezes a esquina da arte, olhar pra cima e desejar a rua. Reconhecer a rua como melhor escola desses versos e o samba a melhor escolha. O disco termina com Nós Dois, um samba feito para o casamento com Dona Zica, em 64. Cartola viveu fisicamente até 80. Hoje, eternamente.

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